Posts tagged ‘França’

junho 27, 2009

Aboio Opus 65 em Marselha

Com mais de 80 obras e cerca de 300 execuções destas em mais de 15 países, o compositor e pesquisador Paulo Costa Lima já participou de grandes festivais de música nacionais e internacionais.

Dessa vez, seu  Aboio Opus 65 foi executado pela flautista Andrea Ernest Dias no Festival Les Musiques em Marselha, França.

Segue, na revista abaixo, a programação do festival:

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Andrea_Ernest

Andrea Ernest Dias

Ouça outras composições de Paulo Costa Lima

junho 18, 2009

França—Brasil: Allons enfants da pátria amada

A cantora francesa Mireille Mathieu canta "A Marselhesa"

A cantora francesa Mireille Mathieu canta Marseillaise

Paulo Costa Lima

Os textos não são coisas fechadas e autônomas como tantas vezes nos acostumamos a pensar. Eles dialogam entre si, e mesmo já nascem como respostas a outros textos — de antes e de depois! Pasmem! Isso acontece porque idéia não tem casca.

Os países também não. São textos — o que significa que são intertextos. O bode que deu vou te contar (você conhece esse verso?). O fato é que parece perfeitamente possível cantar o primeiro verso do hino francês seguindo com o segundo verso do hino brasileiro, sem tirar a beleza de nenhum dos dois[1], que lá isso eles têm de sobra:

Allons enfant de la patrie / De um povo heróico o brado retumbante…

allons enfants_de um povo heróico

Esse vídeo coloca a Marseillaise em seu devido lugar de ícone cultural de nossa civilização. A cena composta em preto e branco, a presença solene da orquestra (viu a expressividade contida do maestro?), a fonte jorrando, a Torre Eiffel ao fundo, e sobretudo a postura e a voz de Mireille Mathieu, despertam as emoções republicanas mais profundas.

Começo me indagando sobre a importância do corte de cabelo da cantora — uma marca que conserva até os dias de hoje. Chego à conclusão de que aquele cabelo exerce a função exemplar de moldura do rosto e da voz. Potencializa, dessa forma, toda a cena, concentrando sua energia. Encaminha a energia estática da montagem para a performance rasgada dos rrs, para a amplitude dessa boca que se abre em nome da liberdade.

E se o nosso hino se enrosca de alguma forma na Marseillaise (de 1792) temos que colocar na roda o Francisco Manuel da Silva, seu criador — aliás, criador não, não havendo textos autônomos não há autores autônomos, somos todos sinapses ou encruzilhadas (a intertextualidade parece ser coisa de Exu, aquele que abre os caminhos).

Era 1831 e D. Pedro I voltava para a Europa depois de um desenlace doloroso. Francisco Manuel era ativo ‘liberal’ e participou com garra dos dias agitados que precederam a abdicação. Na época, os ideais veiculados pela revolução francesa eram farol e espelho. A melodia que viria a ser o nosso hino foi feita nesse quadrante, para comemorar essa tal libertação. Razões de contexto não faltam para unir os hinos.

Depois de composta e executada em 1831 (provavelmente com outra letra) a música vagou pelo Século XIX, aparecendo em várias ocasiões. Só foi reconhecida formalmente em 1890. Nesta data, já na República, havia até sido instituído um concurso para escolha do Hino Nacional. Mas consta que Deodoro bateu pé firme pela manutenção do antigo [2] . A letra, só surgiu em 1909, composta por Osório Duque Estrada, em clima e estilo totalmente diversos. A Leopoldina virou trem…

A base teórica desse enroscamento melódico entre os dois hinos vem da noção de contorno — que é o perfil de movimento dos gestos musicais:

margens_plácidas

As duas melodias apresentam o mesmo perfil, ou seja, um contorno que sobe uma oitava e desce uma quinta. Além disso, tem anacruses muito iguais (dó-fá). Esse gesto impetuoso de subida lembra o idioma dos clarins, e com ele tudo que representamos como heróico e glorioso.

Então, pela via da intertextualidade, percebemos que também somos França. E que, ao refletirmos tal qual espelho coletivo os, traços culturais de lá emanados, projetamos o intertexto da brasilidade de volta a uma de suas origens — brasilizando-a também um pouco.

Mas quanto aos hinos há um diferencial importante que é o rebuscamento cromático da nossa melodia. Aquele si natural que pirraça o ouvinte até a resolução na nota final — e que Fafá de Belém levou ao extremo em sua versão intimista quando peitou a Campanha das Diretas (1984)—, é uma marca do nosso Hino. Permitiu a convocação de palavras proparoxítonas — margens plácidas — para enfatizar essa idiossincrasia (talvez uma inspiração de Chico, em Construção).

As ligações melódicas cromáticas vão se multiplicando no hino. Os próximos versos convocam as notas fá#, dó#, sol#, (todas estranhas ao seu campo tonal imediato) e agregam outra proparoxítona — raios fúlgidos.

De onde vem esse cromatismo com jeito maneirista? Se tivesse que apontar um caminho, diria que lembram claramente fórmulas de finalização bem caras à ópera italiana — que por sua vez parece ter absorvido esses tais ‘maneirismos’ das finalizações do classicismo vienense (vulgarizando-os só um pouquinho, na medida em que a voz pungente vulgariza o mundo sublime da música instrumental; ou será o contrário?).

Ou seja: Rossini, que era muito ouvido no Rio de janeiro do início do século XIX [3] , absorve do período de Haydn e Mozart as tais finalizações cromáticas que acaba passando para Francisco Manuel. Este, aliás, sempre sonhou estudar na Itália (e D. Pedro I havia prometido enviá-lo pra lá, mas não cumpriu…)

De Rossini e Manuel Francisco a Deodoro e Olavo Bilac (que não havia entrado na história), o que aconteceu com nosso belo Hino não é muito diferente da letra do famoso samba de Stanislaw Ponte Preta (Sergio Porto), onde Chica da Silva obriga a Princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes, e este, depois eleito como Pedro Segundo, reúne-se ao Padre Anchieta para proclamar a escravidão.

Oh,Oh,Oh,Oh,Oh,Oh: o trem tá atrasado, ou já passou…
Viva a Intertextualidade!

Leia mais sobre o “Samba do Crioulo Doido” de Sergio Porto. (ele só não inventou a intertextualidade porque o Brasil foi inventado antes)

[1] Dá também para fazer o contrário, começar com o primeiro verso do hino brasileiro e emendar para o segundo do francês: Ouviram do Ipiranga às margens plácidas / Le jours de gloire sont arrivée.

[2] Aquele que ganhou o tal concurso  virou Hino da República.

[3] Cf. Vasco Mariz (2005, p. 67) registrando a encenação de: Il Barbieri di Siviglia, La cenerentola, L’italiana in Algeri, La graza ladra, todas gozando de enorme popularidade.