O universo da teoria da música vem se expandindo nas últimas décadas. Onde vai parar? Acompanhe com Paulo Costa Lima nessa vídeo-conversa o mapeamento das principais áreas…
Creio que merece atenção especial o processo de diversificação um tanto vertiginosa dos enfoques — tipos de discurso — em teoria da música e análise musical.
De um passado relativamente recente, onde havia uma certa estabilidade e hierarquia, com poucos enfoques ocupando a cena principal, estamos migrando para um campo de grande diversificação, com aspectos e perspectivas inovadores agrupando pesquisadores em torno de si.
Para a formação em música (pós-graduação) essa situação traz desafios novos. Por exemplo: o impulso de especialização em geral exige um mergulho demorado num determinado contexto até que o estudante-pesquisador possa chegar ao lugar onde se está produzindo coisas novas. Esse impulso na direção do específico acaba se associando à dificuldade de acompanhar a proliferação de discursos e métodos. Produz um efeito de cegueira muito especial.
Ora, não acredito em especialização sem visão do todo. Acho que é engodo. Mas até quando será possível defender uma visão do todo? Por isso, me distraio colecionando essas ‘janelas’ ou ‘horizontes temáticos’ que são basicamente anotações para lembrar a mim e meus alunos direções importantes de seguir.
Um outro problema bem distinto também ocorre. Essa multiplicidade de soluções analíticas acaba gerando muitas vezes o aluno ou leitor-borboleta — quiça o professor-borboleta. Ele leu pequenos pedaços de muitas teorias, mas não consegue conceber nada em profundidade.
Não esperem o rigor ou abrangência das tradicionais referências bibliográficas. Optei por nomear cada ‘horizonte’, mencionar alguns dos conceitos envolvidos, e citar poucos autores (por exemplo… fulano). Embora esteja listando aí mais de cem pensadores, ficou muita gente boa de fora — afinal, é só um apontamento.
Os horizontes temáticos (ou janelas) não são estanques. Elas se tocam, se misturam e mesmo se interpenetram de diversas formas. A diversificação acaba aumentando essas áreas de contato. Vai ficando evidente que outras formas de classificar e apresentar o material poderiam ser desenvolvidas.
Há certamente algumas direções que ainda não estão registradas. Dentro em breve estarei publicando uma lista maior ainda — possivelmente. Mas há também uma tendência a cristalizar novos temas de síntese, que reúnem numa só direção contribuições de várias áreas.
Áreas que crescem muito, como é o caso das análises cognitivas, tendem a absorver uma série de conteúdos de áreas mais antigas. Um exemplo clássico é o de Fred Lerdahl e Jackendoff (GTTM) que reuniram num único esforço a teoria do ritmo, análise shenkeriana e árvores lingüísticas, tudo isso em prol de um enfoque cognitivo. Foi em 1983, muita água já passou embaixo da ponte.
Por que isso está acontecendo com o universo da teoria e análise musical? Essa é uma boa pergunta. Certamente nos fala de uma insatisfação com o ‘estado da arte’ anterior. Segue, portanto, o rumo da maré pós-moderna? Isso nos fala também da possibilidade de criar áreas e sub-áreas com relativa facilidade. Exagerando, podemos falar em modismos e ondas. Portanto, uma fluidez dos conceitos, critérios e valores? São os tempo líquidos de Baumann afetando a teoria da música?
E o que devemos esperar para os próximos anos? A expansão vai continuar ou vai haver uma reordenação capaz de restaurar um ambiente de estabilidade hierárquica direcionada?
Horizontes Temáticos:
1. Teoria e musicologia tradicionais (projetadas nos cursos de graduação)
tags: análise harmônica, forma, estilos, contraponto, etc…
por exemplo (em uso pedagógico): S. Kostka, D. Green, Grout, Fux etc…
2. Análise Schenkeriana
tags/conceitos: redução, prolongação e estrutura, Ursatz e Urlinie, Kopfton, etc…
por exemplo: Heinrich Schenker, F. Salzer, A. Forte, D. Beach, etc…
3. Análise Motívica (e Grundgestalt)
tags: motivo, basic shape, Grundgestalt, developing variation etc…
por exemplo: A. Schönberg, R. Reti, D. Epstein, Pearsall, Paulo Lima, Dudeque, etc…
4. Teoria pós-tonal (e enfoques ‘congêneres’ tais como GIS, contornos etc…)
tags: conjunto de classe de notas, operações, módulo 12, espaço etc…
por exemplo: M. Babbitt, A. Forte, D. Lewin, R. Morris, J. Rahn, J. Straus, Michael Friedmann. Marcos de Silva (contorno)
5. Teoria do ritmo (e temporalidade)
tags: hipermétrica, acento, grouping, proporções, temporalidade etc…
por exemplo: Leonard Meyer, Fred Lerdahl, J. Kramer, J. Lester, C. Hasty, etc…
6. Teoria da composição (teorias sobre o processo do compor)
tags: o processo do compor, sistema-obra, problema composicional, limites, bottom-up vs top-down, ciclo composicional, etc…
por exemplo: Schönberg, Stravinsky, Babbitt, Cage, Wolpe, Brün, Laske, Reynolds, S. Blum, Widmer, Willy Oliveira, F. Cerqueira, J.Oliveira, W. Smetak, A. Cunha, R. Caesar
7. Análise musical e semiologia/semiótica, narratividade, semântica; música e texto; música e literatura; intertextualidade
tags: signo musical, narrativa, modelo tripartido, plot, dialogicidade etc…
por exemplo: Nattiez, Molino, Tarasti, Lewin, Karl, Kristeva, Agawu, Souza Correa etc…
8. Perspectivas analíticas trazidas pela ‘new musicology’, criticism, post-modernism, new historicism, post-colonialism, post-structuralism…
tags: feminismo, gênero, patriarcalismo, crítica dos cânones, ópera e desejo, protagonista da composição, música absoluta etc…
por exemplo: McClary, Lawrence Kramer, Kerman, Treitler, Agawu, Eagleton, Chua…
(aqui um verdadeiro saco de gatos de tendências diversificadas…)
9. Análise e Cognição
tags: ‘formal description of musical intuitions’, well-formedness and preference rules, formal Grammar, conceptual models, blending, categorization, paths, mental images,
por exemplo: Meyer, Narmour, Deutsch, Lerdahl e Jackendoff, Zbikowski, Brower etc..
10. Enfoques comparativos; estilo; tradições populares; música popular
tags: estilo, transcrição, cantometrics, estatística, etc…
por exemplo: N. Cook, Kassler, Meyer, M. Herndon, Nettl, A. Lomax, P. Escot, Middleton, A. Lühning, M. Ulloa etc…
11. Sociologia da música
tags: historicidade, dialética, música e sociedade,
por exemplo: Max Weber, Adorno, Howard Becker, Richard Peterson
12. Fenomenologia aplicada à música
tags: time, space, feeling, play, ‘excesso de teoria’, experiência, percepção
por exemplo: Merleau-Ponty, Dufrenne, Paul Clifton, Ferrara
13. Música e movimento; Energética
tags: musical forces, gravity,
por exemplo: Ernst Kurth, Lee Rothfarb
14. Análise e gesto
tags: musical thought is grounded in embodied experience, gravity, magnetism, inertia.
por exemplo: Hatten, Lidov, Larson, Anthony Gritten, Elaine King, Monelle, London
15. Análise neo-Riemanniana (arose in response to analytical problems posed by chromatic music that is triadic but not altogether tonally unified)
tags: ‘triadic post-tonality’, common tone maximization, parsimony relations, toggling,
por exemplo: Riemann, Lewin, Brian Hyer, Richard Cohn, Weitzmann, Klumpenhouwer, Pedro Augusto Dias.
16. Análise de música eletrônica
tags: sound sources, espectrogramas, espacialização, layers
por exemplo: Mary Simoni, Norman Adams, Laura Zattra, Michel Chion, Carole Gubernikoff, Silvio Ferraz
17. Análise do timbre; análise e acústica (inclui música espectral)
tags: análise e síntese de sons dos instrumentos musicais, análise do sinal musical, síntese aditiva, spectral envelopes
por exemplo: James Beauchamp, Judith Brown, John Hadja, Danuta Mirka, Tristan Murail, Gérard Grisey, José Augusto Mannis.
18. Análise e interpretação
tags: análise como performance e vice-versa, performance direcionada pela análise
por exemplo: Wallace Berry, Nicholas Cook, Diana Santiago
19. Música e psicanálise
tags: ‘objeto transicional’, sublimação, identificação, superego selvagem, pulsão invocante.
por exemplo: Freud, Sterba, Anzieu, Kohut, Didier Weil,
20. Análise musical e filosofia
tags: ‘música e platonismo’, ‘música e nominalismo’, ‘música e representação’
por exemplo: Lydia Goehr, Peter Kivy
21. Análise de música para filme (audiovisual)
tags: diegesis and non-diegesis, control precedence, situational meaning, apparent reality, change, closure
por exemplo: Cecil Austin, A. J. Cohen, G. Burt, F. Kaarlin, R. Prendergast, James Tobias
22. Neuromusicologia
tags: artificial neural networks, neural processing of complex sounds, musical imagery, neurobiology of harmony perception, music centers in the brain
por exemplo: Tramo, Isabelle Peretz, Robert Zatorre, John Brust, Eckart Altenmüller
23. Análise e computação (computational musicology)
tags: algoritmo, representações da partitura, creation of systems to assist the analyst, implementation of analytic system, repertoires in machine readable base.
por exemplo: Hiller, Bo Alphonse, Laske, D. Cope, Bent, Camilleri, Pedro Kroger, Baroni.
24. Teoria da textura; Orquestração
tags/conceitos: densidade, progression and recedssion, tipologia, ritmo textural
por exemplo: Wallace Berry, Leonard Ott, Richard DeLone, Wellington Gomes
25. Hibridações e novos emergentes
Há uma tendência crescente a desenvolver enfoques que se apóiam em mais de uma das áreas citadas, em busca de novas sínteses conceituais abrangentes;
tags: segmentação, motivo em Schenker,
26. Meta-análise
tags: ‘famílias analíticas’, análises poieticas, análises estésicas, método eclético, epistemologia da análise
por exemplo: Nattiez, Dahlhaus, Nicholas Cook, Ferrara.
Deixe um comentário